SEMENTE DE CRÁPULA
Fernand Deligny

Título Semente de Crápula - Conselhos aos educadores que gostariam de cultivá-la.
Autor Fernand Deligny
Tradutores Juliana Jardim e Luiz Pimentel
Ano 2020 | 1º edição
Projeto gráfico da coleção/capa:
Editora HEDRA – Lucas Kröeff
ilustração alfabeto: Waldomiro Mugrelise
N˚ de paginas 95
Dimensões 11 x 18cm
ISBN 978-65-81097-09-7

Sobre o livro
(...) Este livrinho foi escrito em 1943, editado em 1945. Dez anos depois, me falaram para fazer uma nova edição. Eu o reli. Indignado, comecei a preparar uma crítica rigorosa daquelas pequenas fórmulas sob o título:
Semente de crápula ou o charlatão de boa vontade.
Essa autocrítica relida hoje, no inverno das Cévennes, me parece bem excessiva, agressiva, peremptória. Ela ficara no caixa de madeira no qual se amontam, a cada mudança, páginas e páginas de intenções e relatos que, talvez, sejam para mim o que as folhas que caem são para as árvores.
No entanto, incomoda deixar que saiam novos exemplares de
Semente de crápula
sem dizer nada. Tenho quinze ou dezesseis anos a mais, quinze ou dezesseis anos nesse trabalho diário do qual eu falava alegremente em 1943.
Palavras me vêm, páginas, capítulos, se me deixo levar.
Este livrinho precisa de um subtítulo que me situe, agora, em relação ao que escrevi há quinze anos. Tenho esse subtítulo: Semente de crápula ou o amador de pipas. (...)
Fernand Deligny nascido no norte da França em 1913, ficou conhecido como educador, mas preferia autonomear-se poeta e etólogo: “Meu projeto era escrever”. A escritura é nele uma atividade existencial, o laboratório permanente da sua prática de educador. Dedica 50 anos da vida a crianças inadaptadas, delinquentes, psicóticos e autistas. Etólogo (designa o meio que ele reinventa, em todas as suas circunstâncias, para tentar dar a essas crianças a oportunidade de sobreviver em uma comunidade que exclui ou normaliza. Deligny publica 15 livros, mais de cem artigos e milhares de páginas inéditas: novelas inacabadas, roteiros, contos, ensaios infinitamente recomeçados sobre o humano, a linguagem, o psiquiátrico, a rede, o aracnídeo, além de uma grande conexão com o cinema.
Ilustração de Fernand Delighy
Ilustração de Fernand Delighy
Sobre a tradução
(...) O projeto de nossa tradução dos aforismos de Semente de crápula origina-se em uma prática. A partir da lógica do amante/amador temos traduzido textos diversos, de autores consagrados a desconhecidos, dentro de uma ação chamada Ensaios ignorantes, que realizamos nos últimos 9 anos. Juliana conheceu Deligny em 2012 vendo filmes,
mapas, traços, como visitante numa mostra de arte, e ficou, desde então, entre textos dele no original francês e em tradução espanhola (não havia nada traduzido em português). Três anos depois, propôs leituras coletivas de alguns textos de Deligny e foi aí que Luiz se aproximou. Começamos a ler entre francês e espanhol, vertendo já para nossa língua, de um jeito ignorante (em aliança com Joseph Jacotot): por comparação. Podemos ler, traduzir, entender e dar a ler. Em 2019, os Ensaios ignorantes foram convidados pela curadoria de Artes Visuais para criar algo dentro de um
festival no complexo hospitalar do Juquery.
Decidimos traduzir os 134 — Deligny menciona 136 — aforismos do livro para ocupar o espaço que foi a recepção da antiga colônia psiquiátrica de Franco da Rocha, e ler os conselhos junto com o público. Havia, então, um objetivo de migrar o texto do papel para o espaço e para a voz. Nenhum problema: eram
conselhos. Porém, fixar essa tradução em livro seria projeto mais ousado, pois nossas traduções, até então, vinham desejando soar textos entre a solidão e o comum de encontros públicos, para agir a partir da proximidade com as palavras. A n”-1 se animou, pois algo de nossas posições interessou à editora. Não foi fácil. Deligny nomeou esses
aforismos conselhos, cantigas, charadas, ou seja, algo que se pode dizer com voz. Ainda que ele tenha sido um escritor impressionante, optamos por manter ecos dessa voz (advinda de sua prática) nos aforismos em português. Ele era francês, esperamos que dê para escutar sua língua. Ele escrevia a partir da prática. Esperamos que se escute aqui algo
da ação de Deligny. Em sua tentativa de asilo, o agir é também desprovido de intenção. Nós dois intencionamos nos aproximar do livro, vigilantes em relação a uma leitura“-tradução”-amadora/amante que o escutasse de perto. Agora, na língua de chegada, esperamos que nossa tentativa brote.
Agradecemos a Florelle D’Hoest, Maxime Godard e Sandra, Alvarez de Toledo (...)
Juliana Jardim e Luiz Pimentel.
Ilustração de Fernand Delighy