AS MÁQUINAS CELIBATÁRIAS

Título AS MÁQUINAS CELIBATÁRIAS
Autor Michel Carrouges
Tradução Eduardo Jorge de Oliveira
Ano 2019 | 1ª edição (coedição Relicário Edições)
Nº de páginas 288
Dimensões 16 x 23cm
ISBN 978-85-66786-96-5

As máquinas celibatárias é um livro chave para entender a sobrevivência dos mitos no universo das máquinas. Editado originalmente em 1954, o livro ganhou uma edição ampliada em 1976, base para a presente edição brasileira. Michel Carrouges, ao estabelecer uma relação inédita entre Marcel Duchamp e Franz Kafka, criou um catálogo de máquinas literárias. Esta é uma das primeiras leituras conceituais da obra de Marcel Duchamp, La mariée mise à nue par ses célibataires , même ou simplesmente O grande vidro (1915-1923), na qual Duchamp é surpreendentemente um fio condutor para a crítica literária. Mobilizado essencialmente por essa obra, Carrouges cataloga um conjunto de máquinas impossíveis, inúteis, delirantes ou com dispositivos aparentemente incompreensíveis. Trata-se de um modo bem apropriado para situar a literatura no final do século XIX até meados do século XX. O repertório literário que o leitor encontrará neste livro abrange Franz Kafka, Raymond Roussel, Alfred Jarry, Guillaume Apollinaire, Jules Verne, Villiers de l’Isle-Adam, Irène Hillel-Erlanger, Adolfo Bioy Casares, Lautréamont e Edgar Allan Poe. A edição contém ainda uma breve correspondência entre Michel Carrouges e Marcel Duchamp. Em uma das cartas, Duchamp admira a leitura do autor pela súbita e clara aproximação feita entre o dispositivo de O grande vidro e aquele encontrado em Na Colônia Penal , de Franz Kafk a.

A cultura contemporânea sabe que nunca se atinge a plena objetividade porque há sempre uma forma de negatividade que não pode ser superada dialeticamente. O antagonismo é, portanto, uma possibilidade sempre à espreita porque a sociedade ocidental é marcada pela contingência e toda ordem é de natureza hegemônica, ou seja, manifesta cabais relações de poder. Já Carl Einstein, ao estudar a sombra, nos dizia que ela não é um duplo, mas uma das tantas emanações do homem que lhe são dialeticamente contrárias. É, portanto, um antagonismo, um signo de contradição e de metamorfose. Para Michel Carrouges, esse antagonismo manifesta-se nas máquinas celibatárias. São a sombra do moderno. Em Roussel, por exemplo, Faustine não tem nada em comum com a larva, o espectro, salvo uma relação de antagonismo, já que ela transcende sua própria natureza e dança, assim, na água da embriaguez e do esplendor. As máquinas celibatárias de Jarry também manifestam, com insistência, e talvez de modo inusitado, esse mesmo antagonismo indissociável no interior do erotismo, que Marcel Duchamp levaria a seu ponto mais alto. É bem verdade que, mais tarde, com Bioy ou Barthes, as forças contrárias já não se encontram mais em estado de recalcamento, mas de devir: nada é verdadeiramente antagonista, tudo é plural. Mas posições como as de Chantal Mouffe, hoje em dia, tornam a propor o agonismo como saída à leitura estável da máquina antropológica que lê como se tudo o que ocorre no mundo, hoje, estivesse fixado em um horizonte totalitário e estático, quando nosso atual estado de exceção nos mostra uma “guerra civil”, perpétua e permanente, em que positivo e o negativo se confrontam constantemente e cuja potência antagonista não deve dissolver-se, sob hipótese alguma, na indiferença. O livro de Carrouges, aqui vertido ao português por Eduardo Jorge de Oliveira, é um convite para tanto. [Raul Antelo]
Michel Carrouges (Poitiers, 1910 – Paris, 1988) é o nome literário de Louis Couturier. Ele participou brevemente do surrealismo francês, pois foi convidado e expulso por André Breton, que não estava de acordo com suas tendências místicas e cristãs. No entanto, Carrouges é autor de diversos livros em crítica literária, ficção científica e romances. De sua obra, destacamos: A mística do Super-Homem ( La Mystique du surhomme , Gallimard, 1948), André Breton e os conceitos básicos do surrealismo ( André Breton et les Données fondamentales du surréalisme , Gallimard, 1950), As máquinas celibatárias ( Les machines célibataires , Arcanes, 1954), Kafka contra Kafka ( Kafka contre Kafka , Plon, 1962), Máquinas: patafísicas do além ( Machines: pataphysique de l’au-delà , 1985).